quarta-feira, 29 de agosto de 2012

quarta-feira, 9 de março de 2011

em Salvador




por Emanuella Kalil

Em Pequeno Inventário de Lugares-Comuns, Cia. Dani Lima chama atenção para as pequenas ações do dia a dia, que se tornam invisíveis graças ao excesso de familiaridade. O resultado é a construção de sua “poética do cotidiano”.

Uma casa muito bagunçada, com objetos de diversas cores e tamanhos espalhados por todos os lados. A imagem descreve o início do espetáculo Pequeno Inventário de Lugares-Comuns, da companhia de dança carioca Dani Lima. Em cartaz no mês de fevereiro na Sala do Coro do Teatro Castro Alves, em Salvador, a montagem estreou em 2009 e para a atual versão conta com Laura Samy, Rodrigo Maia, Thiago Gomes e Dani Lima no elenco. O patrocínio para a circulação da peça é do Programa Petrobras Cultural – Manutenção de Grupos e Companhias de Dança.
Cento e vinte e cinco objetos – que o leitor certamente tem ou já teve em casa – eram ao mesmo tempo cenário, figurino e corpo dançante. Pente, mochila, cesto de roupa suja, casaco, cabide, ventilador, panela e muitas outras coisas que ninguém dá bola no dia a dia envolviam os bailarinos, eram por eles manipulados, influenciavam suas atitudes e até produziam ações próprias quando ligados na tomada.
À plateia foi proposto encarar o trivial de outro modo e refletir sobre a importância das ações corriqueiras em nossa vida. Passar um café ou cortar as unhas, sob essa perspectiva, é tão especial quanto receber um buquê de flores; é tão vida quanto. O espetáculo é um convite à contemplação de um banal que não é banal e à fruição do prazer estético que a água descendo pelo ralo em redemoinho ou a textura de um grupo de objetos azuis ao lado de um bolo de objetos vermelhos podem oferecer.
De acordo com Dani Lima, “Pequeno inventário… é um projeto sobre o universo das ações ordinárias e das pequenas memórias que nos constituem diariamente”. Aos 45 anos, a artista dirige a companhia que leva seu nome desde 1997, embora a maioria de seus projetos aconteça em colaboração com outros bailarinos – ou seja, sem uma hierarquia vertical.  Dani Lima traz para suas obras influências que vão desde o balé clássico, circo, contato-improvisação, teatro e performance até a academia, já que ela é mestre em Teatro pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UniRio) e professora da Faculdade de Dança da UniverCidade, também no Rio.
A mesma lógica de olhar de forma diferente para simples objetos está também presente no trabalho corporal dos bailarinos. A investigação se deu em torno de ações básicas como dobrar, correr, puxar e sacudir – que, mais uma vez, todos nós realizamos continuamente, sem pensar muito, mas que na peça são esmiuçadas e transformadas. Por meio de descrições dos movimentos uns dos outros e depois de sugestões (como por exemplo, esticar, girar a cabeça e saltar) a movimentação vai se desenhando de acordo com as particularidades de cada dançarino.
Na oficina ministrada pela companhia em Salvador, fica clara a influência do teórico do movimento, artista plástico e coreógrafo húngaro Rudolf von Laban (1879-1958) para a criação deste espetáculo. Dani Lima, ao compartilhar parte de seu processo, pediu aos participantes que explorassem diferentes ações corporais, atentos às possíveis variedades de peso, tempo, espaço e fluxo do corpo – os fatores de movimento propostos por Laban. A artista chamava atenção para que, durante o exercício, o grupo mantivesse o foco nas ações de forma objetiva, sem “psicologizar”, evocar emoções ou interpretações. Paralelo a isso, a instrução era para que, de tempos em tempos, se mudasse radicalmente a dinâmica do movimento executado, de forma a ampliar o repertório de possibilidades.
Essas foram estratégias usadas também para a construção de Pequeno Inventário... A partir de gestos que têm uma finalidade específica, como, por exemplo, se despedir de alguém ou espantar um mosquito, Dani Lima compôs um solo em que transita com precisão por movimentações de qualidades bem diferentes.
Cabe destacar que os artistas levam em conta a presença da plateia, dialogando de forma bem humorada com as situações que vão acontecendo no momento da apresentação. A peça é coesa, cada escolha revela-se implicada nas demais. Desse modo, não se vê excessos, os elementos presentes dialogam uns com os outros e tornam-se indispensáveis à constituição da obra. O resultado é uma dramaturgia acessível, mas longe de ser óbvia, que investe na complexidade da concisão.

Emanuella Kalil interessa-se por teoria e crítica de dança. É graduada em Comunicação Social – Jornalismo, pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e em Dança pela Faculdade de Artes do Paraná (FAP). Cursou especialização em Comunicação, Cultura e Arte na Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) e atualmente é mestranda do Programa de Pós-Graduação em Dança da Universidade Federal da Bahia (UFBA).

sábado, 5 de março de 2011

domingo, 15 de novembro de 2009

inventário

001um jarro amarelo
002um tijolo de cerâmica
003uma almofada
004um capacete de ciclista
005um engradado de plástico amarelo
006um abajur de pé vermelho
007uma lâmpada de 60W
008um banco de madeira
009um banco de plástico branco
010um cabideiro de madeira
011uma boneca
012três caixas de madeira
013uma blusa listrada
014um balde azul
015um ventilador de plástico branco
016um aparelho de som
017um engradado vermelho
018uma secretária eletrônica
019uma bola preta de plástico
020três bolas de tênis
021um cabide
022uma cafeteira elétrica
023um escorredor de macarrão
024um abridor de latas
025uma lata de lixo
026uma sacola vermelha
027uma mesa
028um sofá azul
029um martelo
030um cobertor
031uma coelha de tecido
032uma mini xícara de porcelana
033um mini bule de porcelana
034um tripé
035um saco de água quente
036uma garrafa de vidro azul
037uma panela de ágata verde
038um rolo de papel higiênico
039uma embalagem de cola branca
040um garfo
041um açucareiro
042um espremedor de batatas
043um isqueiro
044um guarda-chuva
045um saco plático azul
046uma cafeteira de alumínio
047uma pilha de copos de plástico
048uma bandeja
049um colar
050um celular
051uma escova
052um martelo
053uma tangerina
054um bule de café azul
055um bolsa térmica
056um pacote de biscoito
057um escorredor de macarrão
058uma mochila preta
059um pino de boliche vermelho
060três potes verdes
061um par de sapatos pretos
062uma forma para bolo redonda
063um caderno
064uma garrafa de vidro marrom
065uma onça de plástico
066um pacote de sabão
067uma caixa de fósforos
068uma pilha de papel branco
069um cesto de palha
070uma calcinha
071um bicho de pelúcia
072um espelho
073um crayon laranja
074um controle remoto
075um maço de cigarro
076uma garafa térmica vermelha
077um projetor
078uma embalagem de shampoo
079uma escada de alumínio
080duas caixas de som de madeira
081um cesto de roupas laranja
082um vaso verde com espadas de São Jorge
083um liquidificador
084um limpador de vaso sanitário amarelo
085um engradado de plástico amarelo
086uma imagem de santa branca
087doze garrafas de água mineral
088uma embalagem de produto de limpeza
089um ralador
090uma bola branca
091um porco de cerâmica
092uma garrafa verde pequena
093um desodorante
094um pote azul
095uma caixa vermelha
096um secador de cabelo preto
097um caixa de alfajor
098um pote de brilhantina
099uma fita crepe
100um livro vermelho
101um cinzeiro
102uma forma de gelo
103uma caixa de óculos
104um fio vermelho
105uma pasta azul
106um leque
107um aspirador de pó azul
108um secador de cabelo prata
109um capacho
110um urso polar de plástico
111um som portátil
112um computador portátil
113uma xícara de café verde
114uma esponja
115um molho de chaves
116uma caixa de remédios
117dois bombons
118uma caixa de DVD
119um pregador verde
120um pente azul
121um monóculo
122uma caixa de plástico transparente
123dois cavaletes
124um engradado de plástico vermelho
125cafeteira elétrica preta