quarta-feira, 9 de março de 2011

em Salvador




por Emanuella Kalil

Em Pequeno Inventário de Lugares-Comuns, Cia. Dani Lima chama atenção para as pequenas ações do dia a dia, que se tornam invisíveis graças ao excesso de familiaridade. O resultado é a construção de sua “poética do cotidiano”.

Uma casa muito bagunçada, com objetos de diversas cores e tamanhos espalhados por todos os lados. A imagem descreve o início do espetáculo Pequeno Inventário de Lugares-Comuns, da companhia de dança carioca Dani Lima. Em cartaz no mês de fevereiro na Sala do Coro do Teatro Castro Alves, em Salvador, a montagem estreou em 2009 e para a atual versão conta com Laura Samy, Rodrigo Maia, Thiago Gomes e Dani Lima no elenco. O patrocínio para a circulação da peça é do Programa Petrobras Cultural – Manutenção de Grupos e Companhias de Dança.
Cento e vinte e cinco objetos – que o leitor certamente tem ou já teve em casa – eram ao mesmo tempo cenário, figurino e corpo dançante. Pente, mochila, cesto de roupa suja, casaco, cabide, ventilador, panela e muitas outras coisas que ninguém dá bola no dia a dia envolviam os bailarinos, eram por eles manipulados, influenciavam suas atitudes e até produziam ações próprias quando ligados na tomada.
À plateia foi proposto encarar o trivial de outro modo e refletir sobre a importância das ações corriqueiras em nossa vida. Passar um café ou cortar as unhas, sob essa perspectiva, é tão especial quanto receber um buquê de flores; é tão vida quanto. O espetáculo é um convite à contemplação de um banal que não é banal e à fruição do prazer estético que a água descendo pelo ralo em redemoinho ou a textura de um grupo de objetos azuis ao lado de um bolo de objetos vermelhos podem oferecer.
De acordo com Dani Lima, “Pequeno inventário… é um projeto sobre o universo das ações ordinárias e das pequenas memórias que nos constituem diariamente”. Aos 45 anos, a artista dirige a companhia que leva seu nome desde 1997, embora a maioria de seus projetos aconteça em colaboração com outros bailarinos – ou seja, sem uma hierarquia vertical.  Dani Lima traz para suas obras influências que vão desde o balé clássico, circo, contato-improvisação, teatro e performance até a academia, já que ela é mestre em Teatro pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UniRio) e professora da Faculdade de Dança da UniverCidade, também no Rio.
A mesma lógica de olhar de forma diferente para simples objetos está também presente no trabalho corporal dos bailarinos. A investigação se deu em torno de ações básicas como dobrar, correr, puxar e sacudir – que, mais uma vez, todos nós realizamos continuamente, sem pensar muito, mas que na peça são esmiuçadas e transformadas. Por meio de descrições dos movimentos uns dos outros e depois de sugestões (como por exemplo, esticar, girar a cabeça e saltar) a movimentação vai se desenhando de acordo com as particularidades de cada dançarino.
Na oficina ministrada pela companhia em Salvador, fica clara a influência do teórico do movimento, artista plástico e coreógrafo húngaro Rudolf von Laban (1879-1958) para a criação deste espetáculo. Dani Lima, ao compartilhar parte de seu processo, pediu aos participantes que explorassem diferentes ações corporais, atentos às possíveis variedades de peso, tempo, espaço e fluxo do corpo – os fatores de movimento propostos por Laban. A artista chamava atenção para que, durante o exercício, o grupo mantivesse o foco nas ações de forma objetiva, sem “psicologizar”, evocar emoções ou interpretações. Paralelo a isso, a instrução era para que, de tempos em tempos, se mudasse radicalmente a dinâmica do movimento executado, de forma a ampliar o repertório de possibilidades.
Essas foram estratégias usadas também para a construção de Pequeno Inventário... A partir de gestos que têm uma finalidade específica, como, por exemplo, se despedir de alguém ou espantar um mosquito, Dani Lima compôs um solo em que transita com precisão por movimentações de qualidades bem diferentes.
Cabe destacar que os artistas levam em conta a presença da plateia, dialogando de forma bem humorada com as situações que vão acontecendo no momento da apresentação. A peça é coesa, cada escolha revela-se implicada nas demais. Desse modo, não se vê excessos, os elementos presentes dialogam uns com os outros e tornam-se indispensáveis à constituição da obra. O resultado é uma dramaturgia acessível, mas longe de ser óbvia, que investe na complexidade da concisão.

Emanuella Kalil interessa-se por teoria e crítica de dança. É graduada em Comunicação Social – Jornalismo, pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e em Dança pela Faculdade de Artes do Paraná (FAP). Cursou especialização em Comunicação, Cultura e Arte na Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) e atualmente é mestranda do Programa de Pós-Graduação em Dança da Universidade Federal da Bahia (UFBA).

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